3. Tendência progressista "crítico-social dos conteúdos"
Papel da escola - A difusão de conteúdos é a
tarefa primordial. Não
conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociáveis
das realidades sociais. A
valorização da escola como instrumento de apropriação do saber é o melhor
serviço que se presta aos interesses populares, já que a própria escola pode
contribuir para eliminar a seletividade social e torná-la democrática. Se a
escola é parte integrante do todo social, agir dentro dela é também agir no
rumo da
transformação da sociedade. Se o que define uma pedagogia crítica é a
consciência de seus condicionantes histórico-sociais, a função da pedagogia
"dos conteúdos" é dar um passo à frente no papel transformador da
escola, mas a partir das condições existentes. Assim, a condição para que a
escola sirva aos interesses populares é garantir a todos um bom ensino, isto é,
a apropriação dos conteúdos escolares básicos que tenham ressonância na vida"
dos átimos. Entendida nesse sentido, a educação é "uma atividade mediadora
no seio da prática social global", ou seja, uma das mediações pela qual o
aluno, pela intervenção do professor e por sua própria participação ativa, passa de uma experiência inicialmente confusa e fragmentada
(sincrética), a uma visão sintética, mais organizada e unificada.
Em síntese, a atuação da escola consiste na preparação do aluno para o
mundo adulto e suas contradições, fornecendo lhe um instrumental, por meio da
aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação organizada e
ativa na democratização da sociedade.
Conteúdos de ensino - São os conteúdos culturais
universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente
autônomos, incorporados pela humanidade, mas permanentemente reavaliados face
às realidades sociais. Embora se aceite que os conteúdos são realidades
exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e não simplesmente reinventados,
eles não são fechados e refratários às realidades sociais. Não basta que os
conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se
liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social.
Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não estabelece oposição
entre cultura erudita e cultura popular, ou espontânea, mas uma relação de
continuidade em que, progressivamente, se passa da experiência imediata e
desorganizada ao conhecimento sistematizado. Não que a primeira apreensão da
realidade seja errada, mas é necessária à ascensão a uma forma de elaboração
superior, conseguida pelo próprio aluno, com a intervenção do professor.
A postura da pedagogia "dos conteúdos" - Ao admitir um
conhecimento relativamente autônomo - assume o saber como tendo um conteúdo
relativamente objetivo, mas, ao mesmo tempo, introduz a possibilidade de uma
reavaliação crítica frente a esse conteúdo. Como, sintetiza Snvders, ao
mencionar o papel do professor, trata-se, de um lado, de obter o acesso do
aluno aos conteúdos, ligando-os com a experiência concreta dele - a
continuidade; mas, de outro, de proporcionar elementos de análise crítica que
ajudem o aluno a ultrapassar a experiência, os estereótipos, as pressões
difusas da ideologia dominante - é a ruptura.
Dessas considerações resulta claro que se pode ir do saber ao
engajamento político, mas não o inverso, sob o risco de se afetar a própria
especificidade do saber e até cair-se numa forma de pedagogia ideológica, que é
o que se critica na pedagogia tradicional e na pedagogia nova.
Métodos de ensino - A questão dos métodos se
subordina à dos conteúdos: se o objetivo é privilegiar a aquisição do saber, e
de um saber vinculado às realidades sociais, é preciso que os métodos favoreçam
a correspondência dos conteúdos com os interesses dos alunos, e que estes
possam reconhecer nos conteúdos o auxílio ao seu esforço de compreensão da
realidade (prática social).
Assim, nem se trata dos métodos dogmáticos de transmissão do saber da
pedagogia tradicional, nem da sua substituição pela descoberta, investigação ou
livre expressão das opiniões, como se o saber pudesse ser inventado pela
criança, na concepção da pedagogia renovada.
Os métodos de uma pedagogia crítico-social dos conteúdos não partem,
então, de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do saber
espontâneo, mas de uma relação direta com a experiência do aluno, confrontada
com o saber e relaciona a prática vivida pelos alunos com os conteúdos
propostos pelo professor, momento em que se dará a "ruptura" em
relação à experiência pouco elaborada. Tal ruptura apenas é possível com a
introdução explícita, pelo professor dos elementos novos de análise a serem
aplicados criticamente à prática do aluno. Em outras palavras, uma aula começa
pela constatação da prática real, havendo, em seguida, a consciência dessa
prática no sentido de referi-la aos termos do conteúdo proposto, na forma de um
confronto entre a experiência e a explicação do professor. Vale dizer: vai-se
da ação à compreensão e da compreensão à ação, até a síntese, o que não é outra
coisa senão a unidade entre a teoria e a prática.
Relação professor-aluno – Se, como
mostramos anteriormente, o conhecimento resulta de trocas que se estabelecem na
interação entre o meio (natural, social, cultural) e o sujeito, sendo o
professor o mediador, então a relação pelica consiste no provimento das
condições em que professores e alunos possam colaborar para fazer progredir
essas trocas. O papel do adulto é insubstituível, mas acentua-se também a
participação do aluno no processo. Ou seja, o aluno, com sua experiência
imediata num contexto cultural, participa na busca da verdade, ao confrontá-la
com os conteúdos e modelos expressos pelo professor. Mas esse esforço do
professor em orientar, em abrir perspectivas a partir dos conteúdos, implica um
envolvimento com o estilo de vida dos alunos, tendo consciência inclusive dos
contrastes entre sua própria cultura e a do aluno. Não se contentará,
entretanto, em satisfazer apenas as necessidades e carências; buscará despertar
outras necessidades, acelerar e disciplinar os métodos de estudo, exigir o
esforço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com suas experiências
vividas, para que o aluno se mobilize para uma participação ativa.
Evidentemente o papel de mediação exercido em torno da análise dos conteúdos exclui a não-diretividade
como forma de orientação do trabalho escolar, porque o diálogo adulto-aluno é
desigual. O adulto tem mais experiência acerca das realidades sociais, dispõe
de uma formação (ao menos deve dispor) para ensinar, possui conhecimentos e a
ele cabe fazer a análise dos conteúdos em confronto com as realidades sociais.
A não-diretividade abandona os alunos a seus própriosdesejos, como se eles
tivessem uma tendência espontânea a alcançar os objetivos da esperados da
educação. Sabemos que as tendências espontâneas e naturais não são o
tributárias das condições de vida e do meio. Não são suficientes o amor, a
aceitação, para que os filhos dos trabalhadores adquiram o desejo de estudar
mais, de progredir; é necessária a intervenção do professor para levar o aluna
a acreditarnas suas possibilidades, a ir mais longe, a prolongar a experiência
vivida.
Pressupostos de aprendizagem - Por um esforço
próprio, o aluno; se reconhece nos conteúdos e modelos sociais apresentados
pelo professor; assim, pode ampliar sua própria experiência. O conhecimento
novo se apóia numa estrutura cognitiva já existente, ou o professor provê a
estrutura de que o aluno ainda não dispõe. O grau de envolvimento na
aprendizagem depende tanto da prontidão e disposição do aluno, quanto do
professor e do contexto da sala de aula.
Aprender, dentro da visão da pedagogia dos conteúdos, é desenvolver a
capacidade de processar informações e lidar com os estímulos, do ambiente,
organizando os dados disponíveis da experiência. Em conseqüência, admite-se o
princípio da aprendizagem significativa que supõe, como passo inicial,
verificar aquilo que o aluno já sabe. O professor precisa saber (compreender) o
que os alunos dizem ou fazem, o aluno precisa compreender o que o professor
procura dizer-lhes. A transferência da aprendizagem se má a partir do momento
da síntese,
isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire uma
visão mais clara e unificadora.
Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser avaliado, não
como julgamento definitivo e dogmático do professor, mas como uma comprovação
para o aluno do seu progresso em direção a noções mais sistematizadas.
Manifestações na prática escolar - O esforço de
elaboração de uma pedagogia "dos conteúdos" está em propor modelos de
ensino voltados para a interação conteúdos-realidades sociais; portanto,
visando avançar em termos de uma articulação do político e do pedagógico,
aquele como extensão deste, ou seja, a educação "a serviço da
transformação das relações de produção". Ainda que a curto prazo se espere
do professor maior conhecimento dos conteúdos de sua matéria e o domínio de
formas de transmissão, a fim de garantir maior competência técnica, sua
contribuição "será tanto mais seja eficaz quanto mais seja capaz de
compreender os vínculos de sua prática com a prática social global", tendo
em vista (...) "a democratização da sociedade brasileira, o atendimento
aos interesses das camadas populares, a transformação estrutural da sociedade
brasileira".
Dentro das linhas gerais expostas aqui, podemos citar a experiência pioneira,
mas mais remota, do educador e escritor russo, Makarenko. Entre os autores
atuais citamos B. Charlot, Suchodolski, Manacorda e, de maneira especial, G.
Skyders, além dos autores brasileiros que vêm desenvolvendo investigações
relevantes, destacando-se Dermeval Saviani. Representam também as propostas
aqui apresentadas os inúmeros professores da rede escolar pública que se
ocupam, competentemente, de uma pedagogia de conteúdos articulada com a adoção
de métodos que garantam a participação do aluno que, muitas vezes sem saber,
avançam na democratização efetiva do ensino para as camadas populares